terça-feira, 28 de setembro de 2010

Existindo a inexistência

Palavras que não existiam:
- Sorribundo, corânico, descabrunhado, síntole

Atos que não existiam:
- Endiar um pranto escuro
- Desrabujar um beiço manhoso
- Esprelongar-se dentro de um sorriso largo
- Caçar notas verdes de melodias inéditas no vento
- Morder uma tristeza no rabo
- Sorrir de fora pra dentro

Motivos que não existiam:
- Pré-pós viver por birra miúda
- Presentear as horas futuras com passos de surpresa antiga
- Coçar o umbigo por vontade de céu

Coisas que não existiam:
- Olhos que veem pessoas nas pessoas
- Sorrisos leves com sabor de brisa
(da manhã do melhor domingo)
- Tardes mais antigas que o próprio desejo das tardes
- Andorinhas-homens (pena não haver)
- Sonhos gratuitos, que sejam reais por serrem sonhos

Sentimentos que não existiam:
- Sensação de cavalos em tropel na tempestade do peito
- Ânimo de ver o invisível dos melhores momentos da vida
- Visão córica, pontiaguda, calafrígida, tremulante
da cor e do sabor
das palavras nunca ditas
pelos olhos gostativos, como os meus.

Poeta incrível-crível

Incrível nas poesias tolas
Crível nas confissões confusas

Incrível nas decisões incertas
Crível em certas indecisões

Incrível nas palavras adejantes
Crível nos olhos de olhar perdido

Incrível na capacidade de expressão
Crível na capacidade de impressão

Incrível como falante
Crível como introspecto

Incrível como corajoso
Crível como covarde (todo poeta o é)

Incrível com ações diretas
Crível cem pensamentos tortos (palavras também)

Incrível com o superficial
Crível com o denso mistério de dentro

Incrível com o que se vai do momento
Crível com o que fica (poetas poesias ficam)

Incrível com o que diz sem querer
Crível com o que quer dizer (e nem sempre diz)

Incrível como poeta incrível
Crível como poeta, crível...

Verdade

É triste ser o único a se ver
como se queria ser.

sábado, 11 de setembro de 2010

Deserto

Hoje sinto-me amplo
Quase consigo abraçar o mundo
mas não
não sou assim tão piedoso

Tenho sentido um gosto escatológico
na boca
e meus olhos andam cheios de rancor

Ontem tive medo de me apaixonar
desviei os olhos de você
hoje temo me odiar e já não olho nada

Lembro-me de algumas notas verdes
que eu ouvia antes
agora estou surdo e mudo para o verde

O vento da tardinha me estraçalha mudo
e um grande desespero me acalenta
ainda assim sinto-me amplo
amplo e árido como um deserto.

Aquele homem que passa

Aquele homem que passa
deve se chamar Tadeu
penso que sim
deve ser casado
pai de duas filhas
Uma loura, de olhos azuis
Outra negrinha, bem negrinha
do sorriso bom

Ele gosta de futebol, eu sei
joga nos fins de semana
passeia com a família na praça
nos fins de semana
Tem um gato
Pensa na tristeza dos que não possuem gato
Eu não tenho, não sorrio
Sinto inveja dele.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Noite

A noite embalsama meus sonhos
Escorre
Como um filete de sangue negro
Do ferimento profundo
Que o céu provoca em meus olhos.

Imenso

Ser pequeno
E caber dentro de uma vida
Ser imenso
E caber dentro de um poema.