quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O existencialista

Quando sabemos
Que podemos fazer o que quisermos
É quando não sabemos mais
O que fazer.

Beijo

Todos esperavam ansiosamente
Pelo beijo
Mas não houve beijo algum
Houve apenas
O estalo seco da decepção.

Pictório

O céu desta fotografia é tão azul e belo!
E estas nuvens que o emolduram
Dançam, apesar de paradas

Não me importa o céu sobre a minha cabeça
Eu quero
Muito, muito mesmo
O céu desta fotografia.

Caminhar

Caminhemos juntos pela longa rua

Ah! que poesia maravilhosa
É caminhar junto a alguém por uma longa rua
No silêncio brando da existência
Até perder-se de tudo, por completo

Caminhemos, portanto
Juntos pela longa rua
Que se estende dentro do poema

domingo, 21 de novembro de 2010

À memória do homem, que morre

Penso de repente num homem que nem existia
Ou talvez existisse, não sei
E em algum lugar do mundo chegou à sua casa às duas e meia da madrugada
Confuso e cansado, sentou-se à mesa da sala
Nos olhos povoava-lhe o pavor de não existir
Sentiu-se inconsistente, como se fosse apenas uma lembrança
Tentou reconhecer a casa
Pensou que no quarto ao lado
Uma bela esposa deveria esperar por ele envolta em macios sonhos
Mas não teve coragem de conferir
De súbito encolheu-se na cadeira apavorado
Sentiu por um momento que seu mundo todo desabava, estilhaçava-se e se desfazia
Seus olhos pesaram, embaçados pelo sono. Um profundo sono
Divisou algumas manchas preenchendo um quadro na parede, porém sem nitidez
Pensou serem pessoas
Ou paisagens, ou medos, ou sombras, ou dor
Sentia a cabeça pender e a consciência sumir lentamente
Suas pesadas mãos agarravam a toalha da mesa
Mas, sem que ele percebesse, os dedos grossos do homem moribundo
Começaram a tamborilar no tampo uma suave música
Talvez muito antiga, talvez nem houvesse sido composta
Mas era uma melodia realmente bela e plangente
A que suas mão s lançavam ao ar com desespero mudo
Era como um grito, um protesto contra o sumiço lento do homem dentro da noite solitária
No outro dia não o encontrariam, nem o iriam procurar
As sombras do esquecimento iriam de certo devorá-lo
Como a todos fazem cedo ou tarde
Eu não me lembro mais dele agora, sua figura, seu rosto, suas cores acabam de sumir da minha mente
Mas aquela música...
Ainda posso ouvi-la embalando meus sonhos mais tranquilos.

língua Morta

Hoje fui visitado pelos resquícios de uma língua morta
- In Pace Requiescat!

Como é triste a morte de uma língua
Mundos de palavras que com ela tombam
Sentimentos que só em seu seio nasciam
Que só ela traduzia e agora pairam no nada
Pessoas a quem deu à luz, sumiram com ela
Reinos que construiu, sumiram com ela

A morte de uma língua
É como a morte de um deus!

Flores e borboletas

Ah! como somos excêntricos
nós, os pretensos poetas
que mais nos comove
o fenecer suave de uma flor
ou o cessar abrupto
do voo de uma borboleta
que o ceifar cotidiano de milhares de vidas humanas

este nos acomete
mais como um soluço na alma
que um espanto propriamente dito

por isso eu te imploro:
acabe com a humanidade inteira se quiser
mas por favor
poupe as flores e as borboletas!