sábado, 22 de outubro de 2011

Tão pouco

Não adormeci ainda,
Tão pouco me sinto desperto.

Tão pouco me sinto.

Deserto.

Ecos

Não vou dizer
O que você precisa ouvir.

Palavras escravas
Não são palavras
São ecos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Consumismo


Não faz parte de mim
Dizer verdades
As mentiras são bem mais atraentes

Nem faz parte de mim
Celeridades
São inúteis as coisas mais urgentes

Não reclamo
As partes importantes
Me contentam as sobras, as migalhas

Nem censuro
Formas aberrantes
Sobrevivo às minhas próprias falhas

Não requeiro louros
Nem coroas
Minhas glórias não têm valor real

Nem possuo dileção
Por cousas boas
Não consigo distinguir o bem do mal

Não sustento em mãos
Brasões nem estandartes
Sou bastardo pela própria natureza

Nem congrego dons
Das nobres artes
Não possuo nem dinheiro e nem beleza

Não me julgo
Vítima ou algoz
Nem questiono cousa consumada

Não reclamo
Por buscar o meu destino a sós

Mas caminharei...
Enquanto houver estrada.





quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cântico Negro - José Régio (Autor)



‘Vem por aqui» — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
  
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.

  Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
   Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
  
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: (vem por aqui)!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Quando

Quando nos encontrarmos
Nunca mais
Nos perderemos

Paradoxo

Com os olhos
Me beija
Com os lábios
Me nega
Com os braços
Me retém
Enquanto me diz
Não

Com o corpo trêmulo e em brasas
Afasta-se

E vai me procurar na solidão.

Implicações do amor

Quando só eu vejo
Não existe
Quando só eu tento
Não dá certo
Quando só eu vou
Não acontece

Quando só
Eu digo
Não ressoa

Pois o amor
Implica mais de uma pessoa.