sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Barganha


Não troco meus arco-íris

Por potes de ouro

Jamais

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Abismo

Ora, meu amigo,
Não fique tão tristonho.

O abismo começa
Onde termina o sonho.

Horizontal


O sol despenca sobre as cabeças, impiedoso.
Amanhã dirão e medirão seus graus e suas intenções amarelas.

Às sombras, homens esperam as tempestades distantes,
As notícias e os acontecimentos distantes, amarelados pelo sol.

Rodas de automóveis imprimem canções e velocidade no asfalto.
Ao longe o mundo acaba e recomeça, além dos horizontes, sem que se perceba.

E a vida continua horizontal.

Ontem frio e ovo frito


Eu engulo o hoje requentado, com gosto de ontem frio e ovo frito.
Absinto-me ausente.
Visto desespero marrom por trás do sorriso amarelo e dos óculos escuros.
Meus olhos anunciam o fim de alguma coisa.
E alguma coisa anuncia liquidação de produtos e pessoas.
Nas esquinas.


Leio os jornais de ontem e finjo espanto amanhã.
Mas ainda espero que batam-me à porta
E me surpreendam ganhador de alguma promoção maluca
Em que me deem de presente um relógio cuco ou uma galinha que prediz o tempo.


Vivo a conta-gotas e suspiro pelos amores sinceros da novela das oito.

As unhas dos olhos


Reorganizo as minhas ideias, as poucas que me restaram depois do último pileque.
Depois da temporada de luzes verdes, chuva de sons e cores vindas da bocado estômago
E da noite.
A manhã mistura abstrata de massa de bolo e voos de pássaros imaginários.
Enxaguo os pensamentos na pia, estendo no varal.
Rezo para que visitas inesperadas não me anunciem a terceira guerra mundial ou o fim da fome no mundo.
Quero apenas deitar sossegado em cima da laje e meter as unhas dos olhos no céu.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O quê


O que será

Que eu queria ter

Quisto

E não quis?

Seria isso

Que me fez assim

Tristemente

Feliz?

terça-feira, 2 de outubro de 2012

minha querida


Minha querida, não estrague esta noite com doçura.
Os sinos estão dobrados em silêncio dentro de mim,
Os desejos dos homens entopem os bueiros e você sequer percebe
Criatura pura
Os homens não mais usam suas mãos para lavrar os campos,
Para fazer carinho, para matar outros homens.
Agora é tudo terceirizado, tudo produzido em escala industrial, tudo sintético.
E a síntese nesse caso é mais que natural.
Minha querida, não estrague esta noite com doçura,
O seu amor ainda vai acabar me dando cárie na alma
Ou aumentar irremediavelmente o meu colesterol
A vida é amarga, minha querida, como o boldo, como a cevada,
Como o meu sorriso.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Romantismo


Este tempo abafado pegajoso e sonso deve ser o amor. Estas nuvens anunciando chuva como loucas querendo despencar-se à terra a todo custo devem ser o amor. Devem ser o amor estes inúmeros no contracheque estas pérolas que alguns levam na cabeça e outros no pescoço estes barulhos dos carros com os quais se pretende atropelar os estratos sociais. Deve ser o amor este ronco que se ouve nos becos junto aos bêbados melancólicos os gatos pardos e os cães vadios. Deve ser o amor ali entre os delírios dos loucos e a assimetria das vidas das rendas das casas das rugas das calçadas dos postes dos fios elétricos (dos destinos) dos ponteiros dos relógios dos pios que se atribui a corujas mas que são os corpos ruídos de palavras românticas cuspidas nos muros por latas de spray. Deve ser o amor ali logo ali encurvado de olhos arregalados e lascivos fazendo com força e por trás as necessidades dos homens.

Cotidiano

Enquanto os homens vivem,
As manchas estão parindo flores no cimento.