quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

persona non grata



Persona non grata, por exemplo. Alguém que não é bem quisto, por exemplo, em algum lugar específico. Ou em nenhum lugar específico. Ou em nenhum lugar.
Penso em lars. O cineasta. 

Poucos sabem que em 2011, em Cannes (o famoso festival), durante (ou não exatamente durante, mas um pouco antes ou um pouco depois) a apresentação de seu filme “melancolia”, o cineasta lars deu entrevista. Em que disse simpatizar com Hitler, o nazista. Talvez não simpatizar, mas com certeza entender. Sim, isso mesmo. Ele disse que entendia Hitler. Lars foi imediatamente, ou não imediatamente mas quase, considerado “persona non grata” no famoso festival em consequência das declarações. Ou seja, lars foi banido do famoso festival. Lars não mais é bem quisto lá. Suma de lá. Não me apareça mais lá, lars, nazista filho da puta. Mais ou menos assim.

Ao mesmo tempo em que isso me ocorre, penso em mim mesmo. Eu, que me considero simpatizante ao socialismo, talvez simpatizante a Stalin, o comunista. Em que partes do mundo serei “persona non grata”? De quais eventos eu seria expulso, banido, como lars? Será que o banimento é privilégio dos excêntricos, dos doidos famosos? Segundo algumas estatísticas, Stalin (o socialista) matou mais do que Hitler (o nazista). Não que isso tenha se tornado uma competição entre grandes vilões da história para ver quem mata mais. Oh, Hitler seu filho da puta, eu mato mais do que você. Eu acabarei com ucranianos, filho da puta, você vai ver! Me pergunto: isso faz de mim um monstro?

Por outro lado, não posso me ater apenas a estes ditadores maiores, que por devido mérito conseguiram galgar os degraus da fama histórica. Há outros menores. Muitos outros. De ontem e de hoje. Durante o século XX houve uma enxurrada deles aqui mais ao sul, mais ao esquecimento da américa. Brotando não sei de onde, vindos de todas as direções. Direita e esquerda. Direita e esquerda que são, por exemplo, conceitos de sonhadores. Os autoritarismos não se importam muito com as direções a seguir. Eles querem todas. Eles espremem as liberdades por todos os lados, e por cima e por baixo também.
Em seu livro mais famoso, 1984, Orwell insinua que a verdadeira ditadura “suprema” tentaria, e talvez conseguisse, suprimir a liberdade por dentro. Inclusive por dentro. Até mesmo por dentro. De forma que não nos restasse nada. Nenhuma liberdade. Nada. liberdade alguma.

Em outro livro, o mesmo autor critica o socialismo autoritário da Rússia. Compara os partidários de tal sistema a animais. A revolução dos bichos. Dos bichos. Engraçado. E os piores, os mais perversos, mais vis, mais traidores, mais ditatoriais, os líderes seriam em tal livro os porcos. Os porcos eram porcos em todos os sentidos.

Porcos. metáforas de porcos invadindo a terra por todos os sentidos. porcos se elegendo, porcos votando. Lars, o porco, falando que simpatiza com Hitler. Eu, o porco, simpatizando com Stalin. Lars gostando de Hitler enquanto dorme, enquanto como gosto de
Stalin, enquanto cresce gosta de hitler, enquanto trepo gosto de stalin. Porcos trepando e gostando de Hitler e de Stalin. Eu, o porco, escrevendo esta porcaria. Porcos, como lars, invadindo a baía dos porcos em cuba, em 1961. Porcos como eu protegendo-a. porcos como eu morrendo no chile em 1975. Porcos como lars tomando o poder. Eu, o porco. Lars, o porco. Allende, o porco. Pinochet, o porco. Porcos capitalistas. Porcos socialistas.

Em 1987, o então papa João Paulo II aparece ao lado de Pinochet, o porco, em frente a uma multidão, ou melhor uma vara, no chile. Um dos homens considerados mais santos ao lado de um dos considerados mais porcos. como se os atos do porco fossem redimidos pela proximidade do santo. Como se a sujeira do porco fosse lavada pela imácula do santo. Como se o porco e o santo fossem parecidos. Iguais. Um só. “O santo e o porco”. Donde concluo que até a fé tem seu lado porco. Santos porcos ao lado de porcos ditadores, sendo assistidos por milhares de porcos sem títulos de importância ao redor do mundo. Porcos apenas. Pocilga humana, grande chiqueiro das vaidades. Fede.

Durante a odisseia, há um episódio que me chama mais atenção do que todos os outros. Ulisses, o herói, em regresso a ítaca, a ilha, com sua tripulação (perdidos suponho, desesperados suponho) chegam a outra ilha, não ítaca, mas outra. A obra narra que naquele lugar havia uma rainha, que também era deusa, que era também bruxa: Circe. E que tal bruxa tinha um poder exótico: transformar seres humanos em animais. E quem ali parava era transformado em animal. Marinheiros em animais. Capitães em animais. Enfim.
E como? Ela os atraía com banquetes. E os deixava comer. Fartar. E cantava para eles. E tocava música para eles. E depois os transformava em animais. Como fez à tripulação de Ulisses, o herói. Marinheiros que foram transformados em porcos. A porcinização é, portanto, um processo antigo e bem relatado na literatura mundial. A porcinização é acima de tudo um evento mágico, ou seja: inexplicável. Como os marinheiros de Ulisses, o herói, transformados em porcos: cabeça, corpo, voz de porco. Mas conservada a inteligência de humanos. Inteligência de humanos. Mas o resto de porco. Circe. De onde vem a palavra circo. Porcos circenses. Donde concluo finalmente que vivemos um feitiço circense nos dias atuais, porém ao contrário – somos homens: aparência, corpo, fala de homem. Mas essência e índole de porcos.