Alfredo Bos tinha 54 anos quando morreu em sua casa de beira
de estrada há algum tempo. Morreu só. Ninguém lamentou sua morte. Foi encontrado
algumas semanas depois, mais pelo cheiro do que pela falta. Era um homem comum.
Caminhava todos os dias. Nutria sonhos e desejos. Amou algumas mulheres, foi
amado. Apaixonou-se, decepcionou-se, voltou a se apaixonar. Viu coisas,
escreveu, disse, aprendeu e esqueceu coisas. Nunca disse nada tão importante a
ponto de ser totalmente lembrado nem tão insignificante a ponto de ser
totalmente esquecido. Ajudou algumas pessoas, prejudicou outras. Sentiu raiva,
remorso, ódio, tesão, medo, pânico, delírio, prazer, dor, culpa e solidão. Sentiu frio e calor. Viajou,
perdeu-se, encontrou-se, descobriu, espantou-se e causou espanto. Admirou-se e
causou admiração. Decepcionou-se e causou decepção. Sorriu, chorou, tomou
partido e foi indiferente. Feriu-se e se recuperou. Levantou-se e caiu, achou
que podia tudo, que em seu peito caberia a brisa da manhã inteira e em seus
olhos todo o pôr-do-sol. Achou que iria viver para sempre e morreu. E, depois
de morto, seu corpo serviu de alimento para os ratos.