Persona non grata, por exemplo. Alguém
que não é bem quisto, por exemplo, em algum lugar específico. Ou em nenhum
lugar específico. Ou em nenhum lugar.
Penso em lars. O cineasta.
Poucos sabem que em 2011, em
Cannes (o famoso festival), durante (ou não exatamente durante, mas um pouco
antes ou um pouco depois) a apresentação de seu filme “melancolia”, o cineasta
lars deu entrevista. Em que disse simpatizar com Hitler, o nazista. Talvez não
simpatizar, mas com certeza entender. Sim, isso mesmo. Ele disse que entendia Hitler.
Lars foi imediatamente, ou não imediatamente mas quase, considerado “persona
non grata” no famoso festival em consequência das declarações. Ou seja, lars
foi banido do famoso festival. Lars não mais é bem quisto lá. Suma de lá. Não me
apareça mais lá, lars, nazista filho da puta. Mais ou menos assim.
Ao mesmo tempo em que isso me ocorre,
penso em mim mesmo. Eu, que me considero simpatizante ao socialismo, talvez
simpatizante a Stalin, o comunista. Em que partes do mundo serei “persona non
grata”? De quais eventos eu seria expulso, banido, como lars? Será que o
banimento é privilégio dos excêntricos, dos doidos famosos? Segundo algumas
estatísticas, Stalin (o socialista) matou mais do que Hitler (o nazista). Não
que isso tenha se tornado uma competição entre grandes vilões da história para
ver quem mata mais. Oh, Hitler seu filho da puta, eu mato mais do que você. Eu acabarei
com ucranianos, filho da puta, você vai ver! Me pergunto: isso faz de mim um
monstro?
Por outro lado, não posso me ater
apenas a estes ditadores maiores, que por devido mérito conseguiram galgar os
degraus da fama histórica. Há outros menores. Muitos outros. De ontem e de
hoje. Durante o século XX houve uma enxurrada deles aqui mais ao sul, mais ao
esquecimento da américa. Brotando não sei de onde, vindos de todas as direções.
Direita e esquerda. Direita e esquerda que são, por exemplo, conceitos de
sonhadores. Os autoritarismos não se importam muito com as direções a seguir. Eles
querem todas. Eles espremem as liberdades por todos os lados, e por cima e por
baixo também.
Em seu livro mais famoso, 1984,
Orwell insinua que a verdadeira ditadura “suprema” tentaria, e talvez
conseguisse, suprimir a liberdade por dentro. Inclusive por dentro. Até mesmo
por dentro. De forma que não nos restasse nada. Nenhuma liberdade. Nada.
liberdade alguma.
Em outro livro, o mesmo autor
critica o socialismo autoritário da Rússia. Compara os partidários de tal
sistema a animais. A revolução dos bichos. Dos bichos. Engraçado. E os piores,
os mais perversos, mais vis, mais traidores, mais ditatoriais, os líderes
seriam em tal livro os porcos. Os porcos eram porcos em todos os sentidos.
Porcos. metáforas de porcos
invadindo a terra por todos os sentidos. porcos se elegendo, porcos votando. Lars,
o porco, falando que simpatiza com Hitler. Eu, o porco, simpatizando com Stalin.
Lars gostando de Hitler enquanto dorme, enquanto como gosto de
Stalin, enquanto cresce gosta de hitler, enquanto trepo gosto de stalin. Porcos trepando e gostando de Hitler e de Stalin. Eu, o porco, escrevendo esta porcaria. Porcos, como lars, invadindo a baía dos porcos em cuba, em 1961. Porcos como eu protegendo-a. porcos como eu morrendo no chile em 1975. Porcos como lars tomando o poder. Eu, o porco. Lars, o porco. Allende, o porco. Pinochet, o porco. Porcos capitalistas. Porcos socialistas.
Stalin, enquanto cresce gosta de hitler, enquanto trepo gosto de stalin. Porcos trepando e gostando de Hitler e de Stalin. Eu, o porco, escrevendo esta porcaria. Porcos, como lars, invadindo a baía dos porcos em cuba, em 1961. Porcos como eu protegendo-a. porcos como eu morrendo no chile em 1975. Porcos como lars tomando o poder. Eu, o porco. Lars, o porco. Allende, o porco. Pinochet, o porco. Porcos capitalistas. Porcos socialistas.
Em 1987, o então papa João Paulo II
aparece ao lado de Pinochet, o porco, em frente a uma multidão, ou melhor uma
vara, no chile. Um dos homens considerados mais santos ao lado de um dos
considerados mais porcos. como se os atos do porco fossem redimidos pela
proximidade do santo. Como se a sujeira do porco fosse lavada pela imácula do
santo. Como se o porco e o santo fossem parecidos. Iguais. Um só. “O santo e o
porco”. Donde concluo que até a fé tem seu lado porco. Santos porcos ao lado de
porcos ditadores, sendo assistidos por milhares de porcos sem títulos de
importância ao redor do mundo. Porcos apenas. Pocilga humana, grande chiqueiro
das vaidades. Fede.
Durante a odisseia, há um
episódio que me chama mais atenção do que todos os outros. Ulisses, o herói, em
regresso a ítaca, a ilha, com sua tripulação (perdidos suponho, desesperados
suponho) chegam a outra ilha, não ítaca, mas outra. A obra narra que naquele
lugar havia uma rainha, que também era deusa, que era também bruxa: Circe. E que
tal bruxa tinha um poder exótico: transformar seres humanos em animais. E quem
ali parava era transformado em animal. Marinheiros em animais. Capitães em
animais. Enfim.
E como? Ela os atraía com
banquetes. E os deixava comer. Fartar. E cantava para eles. E tocava música
para eles. E depois os transformava em animais. Como fez à tripulação de Ulisses,
o herói. Marinheiros que foram transformados em porcos. A porcinização é, portanto,
um processo antigo e bem relatado na literatura mundial. A porcinização é acima
de tudo um evento mágico, ou seja: inexplicável. Como os marinheiros de Ulisses,
o herói, transformados em porcos: cabeça, corpo, voz de porco. Mas conservada a
inteligência de humanos. Inteligência de humanos. Mas o resto de porco. Circe. De
onde vem a palavra circo. Porcos circenses. Donde concluo finalmente que
vivemos um feitiço circense nos dias atuais, porém ao contrário – somos homens:
aparência, corpo, fala de homem. Mas essência e índole de porcos.