Há
tempos que o maior efeito do tempo sobre nós não é mais
Nos
envelhecer, e sim tornar-nos obsoletos
Tempos
que se declara o amor por declarar
Que
há ainda a necessidade de amor, mas já não há necessidade de amar
Tempos
em que enviamos cartas, convites, bilhetes
Sem
a necessidade de destinos ou destinatários
Em
que se pergunta apenas por perguntar, sem expectativa ou interesse pelas
respostas
Tempos
em que a fumaça deixou de enviar sinais ou indicar incêndios
Tendo
se tornado apenas mais uma das tantas formas de nos envenenarmos
E
em tais tempos ninguém nos salvará de nós mesmos
E
nós não salvaremos ninguém de ninguém
Então
finalmente nos daremos conta de que o amor
Já
não nos comove mais
Que
há tempos passamos a sorrir ou chorar por indução, por instinto
Sem
a necessidade de uma experiência concreta
E
perceberemos que não foram as horas que aumentaram
Nós
é que nos tornamos menores diante do tempo que nos resta
Então
provavelmente arranharemos paredes e daremos murros
Em
pontas de facas imaginárias
Na
tentativa frustrada de nos refugiarmos na dor da comiseração
Mas
talvez constatemos que isso não tornará o processo menos complicado
Nem
nos eximirá das nossas muitas responsabilidades
E
então perceberemos, para nosso espanto, que nem ao menos estamos
Vivendo
genuinamente, como gostaríamos
Estamos
apenas seguindo o fluxo inexorável do senso comum, como todos ao redor
No
automático apenas e constataremos que somos mais úteis e o pior
Mais
felizes assim.