domingo, 21 de novembro de 2010

À memória do homem, que morre

Penso de repente num homem que nem existia
Ou talvez existisse, não sei
E em algum lugar do mundo chegou à sua casa às duas e meia da madrugada
Confuso e cansado, sentou-se à mesa da sala
Nos olhos povoava-lhe o pavor de não existir
Sentiu-se inconsistente, como se fosse apenas uma lembrança
Tentou reconhecer a casa
Pensou que no quarto ao lado
Uma bela esposa deveria esperar por ele envolta em macios sonhos
Mas não teve coragem de conferir
De súbito encolheu-se na cadeira apavorado
Sentiu por um momento que seu mundo todo desabava, estilhaçava-se e se desfazia
Seus olhos pesaram, embaçados pelo sono. Um profundo sono
Divisou algumas manchas preenchendo um quadro na parede, porém sem nitidez
Pensou serem pessoas
Ou paisagens, ou medos, ou sombras, ou dor
Sentia a cabeça pender e a consciência sumir lentamente
Suas pesadas mãos agarravam a toalha da mesa
Mas, sem que ele percebesse, os dedos grossos do homem moribundo
Começaram a tamborilar no tampo uma suave música
Talvez muito antiga, talvez nem houvesse sido composta
Mas era uma melodia realmente bela e plangente
A que suas mão s lançavam ao ar com desespero mudo
Era como um grito, um protesto contra o sumiço lento do homem dentro da noite solitária
No outro dia não o encontrariam, nem o iriam procurar
As sombras do esquecimento iriam de certo devorá-lo
Como a todos fazem cedo ou tarde
Eu não me lembro mais dele agora, sua figura, seu rosto, suas cores acabam de sumir da minha mente
Mas aquela música...
Ainda posso ouvi-la embalando meus sonhos mais tranquilos.

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