segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Inominável (Samuel Beckett) pg. 150


Palavras, sou todas estas palavras, todos estes estranhos, essa poeira de verbo, sem fundo onde pousar, sem céu onde se dissipar, reencontrando-se para dizer, fugindo-se para dizer, que sou todas elas, as que se unem, as que se deixam , as que se ignoram, e nenhuma outra coisa, uma coisa muda, num lugar duro, vazio, fechado, seco, nítido, negro, onde nada se mexe, nada fala, e que eu escuto, e que eu ouço, e que eu procuro, como um animal nascido numa jaula de animais nascidos numa jaula de animais nascidos numa jaula de animais nascidos numa jaula de animais nascidos numa jaula de animais nascidos e mortos numa jaula nascidos e mortos numa jaula de animais nascidos numa jaula mortos numa jaula nascidos e mortos nascidos e mortos numa jaula numa jaula nascidos e depois mortos nascidos e depois mortos , como um animal digo eu, dizem eles, um animal assim, que procuro, como um animal assim, com meus pobres meios, um animal assim, não tendo mais nada da sua espécie além do medo, da raiva, não, a raiva acabou, o medo, mais nada de tudo o que voltava para ele além do medo, centuplicado, o medo da sombra, não, ele é cego, nasceu cego, do barulho, se quiserem, é preciso, é preciso alguma coisa, é pena, é assim, medo do barulho, medo dos barulhos, barulhos de animais, barulhos de homens, barulhos do dia e da noite, isso basta, medo dos barulhos, todos os barulhos, mais ou menos, todos os barulhos, só há um, um só, contínuo, dia e noite, o que é, são passos que vão e vêm, são vozes que falam um momento, são corpos abrindo caminho, é o ar, são as coisas, é o ar por entre as coisas, isso basta, que estou procurando, como ele, não, não como ele, como eu, ao meu modo, que digo, à minha maneira, que procuro, o que é que procuro agora, o que procuro, procuro o que é, deve ser isso, só pode ser isso, o que é, o que isso pode ser, o que isso pode muito bem ser, o quê, o que procuro, não, o que ouço, isso volta pra mim, e de onde isso pode muito bem vir, até mim, já que aqui tudo se cala, e que as paredes são espessas, e como faço, sem sentir um ouvido em mim, sem sentir uma cabeça, nem um corpo, nem uma alma...

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